Programa expõe os receios da paternidade

Iniciativa pioneira no estado realizada em Caxias do Sul criou condições para que pais repensassem seus comportamentos na relação familiar

Foto por João Pedro Bressan

O medo de exercer tarefas de cuidado e o rompimento em demonstrar afetividade foram as principais preocupações externadas por pais participantes da primeira edição realizada no Rio Grande do Sul do Programa P, organizado pela Fundação de Assistência Social (FAS) de Caxias do Sul e secretarias da Saúde e Educação, em parceria com o Instituto ProMundo. As atividades foram realizadas de agosto de 2021 a junho passado, envolvendo capacitação de servidores da saúde, educação, assistência social e equipe do programa Primeira Infância Melhor (PIM); e oito semanas de ações junto a 80 pais, a maioria com idades entre 20 e 35 anos, com dois a quatro filhos e com ensino fundamental incompleto. Do total, 76 participaram até o final.

Os resultados foram apresentados no Seminário Paternidade e Primeira Infância, realizado com a presença de autoridades ligadas às crianças e aos adolescentes atendidos na rede socioassistencial. O Instituto Promundo é uma organização brasileira líder no trabalho sobre masculinidade, com a visão de que os homens e os meninos devem ser aliados na construção de espaços mais respeitosos e equitativos. O diretor-executivo da organização, Miguel Fontes, participou do evento.

A execução foi coordenada pelo gerente de projetos do Promundo, Luciano Ramos, responsável pela capacitação dos monitores e visitadores do programa PIM, e por um trabalho com grupo de pais via whatsapp. Ramos afirmou que, inicialmente, os pais encararam as conversas com reservas e surpresas. “Na medida em que os temas foram se descortinando, o comportamento mudou. Com isto, o grupo funcionou de forma fluída”, avaliou.

O gerente expôs que atividades como cuidar da criança pequena, lugares de cuidado que os homens podem assumir e como se sentir seguro para exercer a tarefa foram as que mais geraram preocupações. “Resgatar e inserir a presença paterna nos cuidados com os filhos, trabalhando a masculinidade e a importância da paternidade nas famílias é o objetivo do programa de Paternidade e Cuidado Online”, reforçou. A participação média foi de 75% por atividade e, ao final, os participantes pediram para que o grupo se mantivesse gerido por eles.

Em mensagem gravada, por encontrar-se em viagem, a vice-prefeita Paula Ioris assinalou, na abertura do encontro, a importância do programa P por trabalhar na origem do problema, junto às famílias, agindo nas causas e nos efeitos. Citou ainda o programa HORA (Homens, Orientação, Reflexão e Atendimento), desenvolvido pelo Juizado da Violência Doméstica de Caxias do Sul junto a homens denunciados por violência contra a mulher. “São com ações como estas que vamos ajudar a cessar a violência”, enfatizou.

A presidente da FAS, Katiane Boschetti da Silveira, expôs que, no final de junho, a cidade acolhia 226 crianças em abrigos públicos, das quais 29 não tinham o nome do pai registrado nos documentos. No conjunto de 83 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa atendidos, 50 têm uma mulher como referência familiar. Outro dado indica que, de 249 famílias participantes do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família, 227 tem mulheres como referência.

Com base nos dados, a presidente defendeu a necessidade de romper este ciclo, inclusive repensando as práticas públicas. Neste sentido, considera importante a continuidade do programa P, em Caxias do Sul. “Precisamos adotar um caminho mais consciente para a masculinidade”, reforçou.

Dentre as mudanças, a secretária da Saúde, Daniele Meneguzzi, comentou a necessidade de o atendimento do pré-natal não ficar restrito às mulheres, mas ser extensivo aos pais. Entende a baixa participação dos pais nas consultas pelo fato de não serem beneficiados por atestados para acompanhar as mães. “É preciso discutir esta questão, porque transcende aspectos sociais”, afirma. A secretária da Educação, Sandra Negrini, acrescentou que o tema merece o esforço de homens e mulheres para que sejam desenvolvidas outras possibilidades para encarar a paternidade. “Aprender a ser pai é uma quebra de paradigma. Esta responsabilidade precisa ser exercida na família, escola e comunidade”, reforçou.

Iniciativa facilita contato

Juliane Bonatto, uma das monitoras dos programas Primeira Infância Melhor e Criança Feliz, relatou que, em relação ao atendimento, o processo de capacitação do Programa P foi muito importante, pois sensibilizou e desconstruiu a imagem e a identidade cultural ao longo da vida sobre as masculinidades. “Isso foi um ponto de partida bem significativo para o processo do trabalho, porque não tínhamos contato com os pais. Quem faz o acesso com os visitadores, geralmente, é uma figura feminina, mãe, avó, tia ou irmã mais velha, responsável pelo cuidado das crianças”, explicou.

O processo de sensibilização fez com que os visitadores percebessem a importância da figura masculina, seja pai ou avô, e também deles participarem das atividades e ser foco do atendimento, mobilizando a incentivar ainda mais o envolvimento masculino. Ao longo das discussões nos grupos de whatsapp, as equipes perceberam o aumento da presença nos atendimentos, com pais mostrando interação para os visitadores, e como isso influenciou em um maior envolvimento nas brincadeiras com os filhos, na rotina da casa e de um olhar diferente para as intervenções realizadas pelos programas.

Juliana relata a intenção de dar continuidade aos grupos de pais, proporcionando um espaço de fala e de escuta para que participem na educação e proteção dos filhos. “A sementinha que ficou desses grupos para o PIM é para olharmos ainda mais para as figuras masculinas como potencialidades, como fatores protetivos de cuidado, de carinho e amor. Mesmo não estando diariamente presentes nas atividades e visitas, os pais querem ter maior participação na rotina dos filhos”, afirmou.

Depoimentos de pais

“Achei muito bom participar dessa experiência. O que mais me marcou foi falar dos nossos pais e o que faríamos diferente em relação aos nossos filhos. Tive uma boa infância, aproveitei bastante, mas meu pai não foi presente, tinha vícios e não dava muita atenção. Faço tudo diferente para os meus filhos, não tenho vícios e participo o máximo da vida deles”. Pai de um filho de oito anos e de uma filha de dois

“Gostei muito da atividade de compartilhamento das fotos com meu filho quando ele nasceu. Ele fica bem contente quando as meninas do PIM vem aqui em casa”. Pai de um menino de 13 anos